Mais gestão,menos polarização
Ilustração: Seri/DGABC

Desde o anúncio das tarifas de 50% contra o Brasil, o tabuleiro mudou – mas não o suficiente para devolver previsibilidade às cadeias de comércio. A Casa Branca publicou a ordem executiva em 30 de julho, com vigência a partir de 6 de agosto, e incluiu uma cláusula que permite elevar ainda mais as tarifas caso o Brasil retalie. Ou seja: a escada da escalada continua montada.
Houve, sim, avanços. Quase 700 NCMs foram excetuados do aumento: suco e polpa de laranja, combustíveis, minérios, fertilizantes e aeronaves civis (peças e motores) permaneceram fora do novo patamar. Ainda assim, produtos emblemáticos como café, carnes e frutas tropicais ficaram dentro do “tarifaço”, hoje no alvo do acréscimo de 50%.
O alívio parcial não significa impacto pequeno. Estimativas apontam que cerca de 36% do valor das exportações brasileiras aos EUA segue afetado, mesmo após a lista de exceções. Além disso, análises independentes calculam que as isenções alcançam aproximadamente 42% do volume exportado, o que explica a sensação de “meia vitória” na indústria: importante, mas insuficiente.
No front diplomático, o Itamaraty afirma negociar desde março e credita a esse esforço a retirada de centenas de itens da alíquota de 50%. Em paralelo, o governo decidiu não retaliar de imediato e lançou um pacote de suporte de cerca de R$ 30 bilhões em crédito (via BNDES/FGE), desoneração e compras públicas para setores mais expostos – um colchão para atravessar a turbulência enquanto se busca acordo. Também entraram na mesa tratativas setoriais, como etanol.
Outro eixo crucial é jurídico-regulatório. Em 18 de agosto, o Brasil encaminhou resposta formal à investigação aberta pelos EUA sob a Seção 301, rebatendo acusações de “práticas desleais”, defendendo o Pix e contestando a legitimidade de instrumentos unilaterais fora da OMC(Organização Mundial do Comércio. É um passo que organiza argumentos e dá lastro às próximas rodadas de negociação – tanto técnicas quanto políticas.
Há também a frente judicial nos EUA. Em 28 de maio, a CIT (Corte de Comércio Internacional) considerou ilegais tarifas baseadas no Ieepa (Lei de Poderes Econômicos de Emergência Internacional, na sigla em inglês); no dia seguinte, porém, o Tribunal de Apelações suspendeu a decisão, mantendo as tarifas enquanto julga o mérito. Em suma: existe uma incerteza jurídica real, mas, por ora, o custo continua aparecendo na fatura das empresas.
Os principais gargalos permanecem concentrados em café e carne bovina – dois itens com peso econômico e simbólico nos dois mercados – e em temas conexos (etanol, pagamentos, propriedade intelectual) que orbitam a investigação 301. A tensão política ganhou mais camadas com sanções dos EUA a um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), o que contaminou o clima e encareceu concessões. Até reuniões bilaterais foram canceladas no auge da crise. Nada disso ajuda a fechar um entendimento técnico.
O que falta, então? Primeiro, transformar o “mapa de exceções” em um cronograma de alívios adicionais com metas setoriais mensuráveis – por exemplo, discutir quotas tarifárias para café e carne, com revisões trimestrais, enquanto se aperfeiçoam regras sanitárias e de rastreabilidade. Segundo, amarrar um pacote recíproco no etanol (acesso/mandatos), evitando que tarifas empurrem os fluxos para rotas ineficientes. Terceiro, blindar o Pix e a economia digital com compromissos de não discriminação e cooperação regulatória, reduzindo o espaço de medidas unilaterais sob 301.
Por fim, dois lembretes estratégicos. No curto prazo, a rota multilateral (consultas na OMC) dá previsibilidade e cria incentivos para soluções negociadas. No bilateral, convém evitar “gatilhos” – a própria ordem executiva prevê aumentar tarifas se o Brasil retaliar – e priorizar vitórias concretas para quem produz e consome. É a agenda de sempre: mais gestão, menos polarização. Em crises comerciais, pragmatismo não é opção estética; é o único caminho para reduzir dano, recuperar confiança e reabrir mercado.
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