Gastronomia Titulo Entrevista da Semana

'Confeitaria está engatinhando no Brasil’, diz chef Diego Lozano

25/08/2025 | 07:00
Compartilhar notícia
FOTO: Redes sociais
FOTO: Redes sociais Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra


Diego Lozano, natural de São Bernardo, descobriu sua paixão pela confeitaria aos 13 anos, de forma inusitada. Desde então, seguiu na área e já soma quase 30 anos na profissão. Atualmente, é jurado do Masterchef Confeitaria, que tem a estreia da segunda temporada marcada para o dia 9 de setembro, às 22h30, na Band. Com uma visão técnica e estética, ele alerta que se trata de uma carreira exigente, financeiramente desvalorizada e de longas jornadas, possível apenas para os apaixonados. Segundo ele, o programa tem permitido um olhar diferente para a profissão.

Quando e como começou sua paixão pela confeitaria?

Foi por acaso. Meus pais se separaram, aí ficou eu, minha mãe e meu irmão. Minha mãe começou a trabalhar bastante e nesse meio tempo eu comecei a fazer as comidas em casa para poder ajudá-la. Um dia decidi fazer um bolo para ela, que ela gostava de comer e minha avó fazia também, que era chamado bolo “peteleco”. Fiz a receita, quando eu fui degustar estava salgada. Sem saber muito bem o que havia acontecido, eu fui checar os ingredientes, passo a passo e notei que eu havia substituído o açúcar pelo sal, literalmente. Então eu vi que a confeitaria era metódica, tinha que seguir as regras, receitas e esse foi o start, com 13 anos. Daí em diante, fui trabalhar em alguns lugares, fiz o curso básico do Senai que existe de confeitaria, abriu um pouco as portas e não parei mais.

Você é conhecido por unir técnica e estética. Como desenvolveu esse olhar apurado?

Agora estou completando quase 30 anos de profissão. Eu acho que a confeitaria te obriga a ter um olhar muito estético. Talvez fosse uma característica minha que eu não soubesse que tinha, mas sempre fui perfeccionista e consegui me encontrar nisso através da confeitaria, essa atenção aos mínimos detalhes. Então a confeitaria envolve arte, estética, perfeição e, obviamente, que depois de tanto tempo isso fica fácil.

Além dessa vez aí que você falou que trocou o açúcar pelo sal, teve algum outro doce seu que deu completamente errado?

Inúmeros [risos]. Acho que quando eu comecei, obviamente, eu testava muitas coisas. Lembro, inclusive, quando um amigo do meu irmão soube que eu estava fazendo doce, ele encomendou um bolo para o aniversário dele na época e queria de floresta negra. Eu nunca havia feito nada parecido. Peguei uma receita daquela de caderninho, fui tentar reproduzir e no processo do pão de ló, imaginei que fosse basicamente colocar tudo na batedeira e bater e misturar. Lembro que este bolo saiu, mas quando fui cortar, vi que ele estava super rígido. Montei assim mesmo e foi um fiasco total quando apresentei. O menino ficou chateado, a família se entristeceu e aí eu descobri que um pão de ló tinha que bater a clara, os ovos com açúcar e adicionar farinha muito suavemente. Então isso foi um grande fiasco. Mas tiveram vários outros, até hoje. Eu acho que pelo fato de eu ter a escola de confeitaria, a gente é quase que um pesquisador. Vivo testando e normalmente quando eu pego uma receita, testo ela de todas as maneiras possíveis para entender o que dá certo, o que dá errado, por quê, o que fazer. Então, até hoje eu vivo errando.

E quando você está, por exemplo, no MasterChef, você vê a pessoa fazendo alguma coisa diferente, você já pensa que vai dar errado?

Sim. Hoje acho que pelo tanto de tempo na área, só de bater o olho, eu já sei pela textura, pela forma como tá mexendo, pelo jeito que começou, se aquele processo vai dar certo ou não, ou, principalmente no MasterChef, se vai conseguir executar dentro do tempo que precisa. Então, acaba que eu passo mal junto do lado ali de jurado, enquanto eu vou acompanhando a prova, porque eu fico tenso pelos participantes.

Trabalhar com confeitaria no Brasil é diferente de trabalhar com confeitaria fora? O que mais te chama a atenção nessas diferenças?

Muito. Acho que primeiro que a profissão confeiteiro fora do Brasil, principalmente na Europa, é de fato respeitada, mais valorizada, tem a sua classe. Então, comer doce é algo que faz parte da vida das pessoas lá fora. Aqui no Brasil, a profissão de confeiteiro ainda é algo que acontece por acaso e acaba que dá muito certo para a grande maioria, mas são pessoas que começam tentando buscar uma renda extra, fazer algo diferente, de pouquinho em pouquinho e quando vê, uma boa parte deles acabam criando grandes impérios, ainda que sem tanto conhecimento técnico. Então é uma profissão de salvação, eu diria. E em termos de doce, [no exterior] a gente ainda tem essa questão estética que não é um negócio tão apreciado [no Brasil]. É muito mais aquela questão do “pornfood”, né? Daquele monte de creme, de texturas visíveis. É uma confeitaria diferente, sim. Acho que os toques de brasilidade têm o seu lugar e o que eu venho tentando fazer é caminhar entre esses dois mundos: tanto da confeitaria europeia, com essa elegância, estética e apresentação, e do lado brasileiro, reescrevendo grandes clássicos brasileiros com um pouco dessa técnica.

É o que vocês falam lá no programa, né? Também é “comer com os olhos”.

Sim. Acho que a nossa profissão, quando a gente fala de comida, inevitavelmente você precisa ser encantado pelos olhos, mas acho que a confeitaria é mais intensa nisso. Principalmente quando a gente fala da confeitaria de vitrine. Você chega ali, você tem os doces dispostos. Se não houver uma paixão, se você não sentir desejo só de ver o doce pelo visual, já é um ponto negativo, então é muito importante.

Qual receita você considera como sua assinatura?

Acho que a gente vai desenvolvendo isso ao longo do tempo. Hoje acredito que as pessoas quando veem um doce meu, mesmo não tendo certeza, elas sabem que é meu. Inevitavelmente tem um jeito, um acabamento, uma técnica que a gente costuma trabalhar. Mas essa minha assinatura é essa mescla. Venho cada vez mais tentando trabalhar clássicos do Brasil de uma maneira mais moderna, bem elaborada. 

E por ser de São Bernardo, você já imaginou em algum momento abrir um empreendimento desse do Levena na região?

Eu tenho interesse. Vez ou outra eu vou a Santo André ou São Caetano, onde minha mãe mora atualmente. E sim, acho que tem um público muito forte no Grande ABC. Tenho sim interesse, inclusive se alguém se interessar, pode entrar em contato. Mas acho que seria legal ter alguma coisa na cidade onde eu nasci, de onde eu vim.

Como você vê o cenário atual da gastronomia no Brasil, especialmente para quem está começando?

Acho que quando a gente fala de gastronomia, de cozinha quente, está um pouco mais evoluída. Tem mercado, é mais respeitada. Quando fala de confeitaria, ainda é uma coisa que está começando, engatinhando. Acredito que o MasterChef já fez e vem fazendo uma pequena mudança. Com a segunda temporada [que estreia no dia 9 de setembro], fará uma segunda grande mudança, e assim vai. Mas é uma área que eu sempre deixo claro para as pessoas: se você não for muito apaixonado, dificilmente você consegue seguir nessa carreira. Porque ainda é uma área financeiramente desvalorizada. Trabalha muito, com longas jornadas. Então, realmente ou você é apaixonado e levemente doido ou você não consegue seguir. É uma coisa que eu sempre falo: é um mal que faz bem. Você se apaixona por essa vida louca e é difícil de sair.

Como foi para você crescer em São Bernardo? Isso influenciou de alguma forma sua carreira?

Eu vivi no Grande ABC até meus 19 anos. Depois disso foi quando eu saí para o mundo. Enquanto eu era mais jovem, a minha infância se passou ali, meus amigos foram feitos lá. Na época eu trabalhei em alguns lugares ali na região, tentei algumas coisas lá, mas foi o início. Quando vim para São Paulo e comecei a viajar ao redor do mundo para fazer cursos, vi que existia um universo grande e decidi ir para ele. Eu acho que o Grande ABC, em geral, evoluiu muito.

Você saberia indicar um roteiro gastronômico pela região?

Toda vez que é aniversário, algumas festas, outras datas comemorativas, costumo ir lá, principalmente quando é alguma coisa da minha mãe. Eu sempre fui fã do Fonte Leone Bar, em Santo André. É um lugar que, inevitavelmente, quando eu vou para lá, acabo passando para almoçar ou jantar. Tem também a Padaria Brasileira, que é um clássico desde sempre. 

Na sua opinião, o que falta para a região do Grande ABC ser mais reconhecida como polo gastronômico?

Acho que falta investimento em gastronomia. Acredito que surgiram novos empreendimentos, mas ainda não despontou tanto. Eu vejo que as pessoas, quando querem comer bem, inevitavelmente acabam indo para São Paulo. E, de fato, São Paulo é muito grande, tem muita coisa. Mas pelo pouco que eu ainda sei, acredito que é isso: faltam restaurantes mais sofisticados, talvez um movimento maior dos chefs locais. Foi o que aconteceu em São Paulo e em outras regiões.

Qual o seu doce preferido da infância?

Eu sou grande fã de bolo de fubá, bolo de milho, que são coisas que me remetem principalmente à época em que a minha mãe e minha avó faziam uns doces para mim, tem esse conforto sentimental. Quando eu penso na infância, eu penso nisso.

O que você gosta de comer no dia a dia, fora do trabalho?

Eu sou super regrado, tenho uma dieta bem restrita. Eu como doces, mas basicamente quando estou desenvolvendo alguma coisa nova. Nunca fui fissurado em comer doces, eu sou fissurado em fazer doces. Mas no dia a dia eu como frango com arroz, com batata, uma carne com batata e salada. Obviamente que vez ou outra eu saio com minha mulher para jantar e aí exploro um pouco mais a gastronomia.

Qual você diria que foi o maior elogio que já recebeu como confeiteiro?

Talvez de reconhecimento. Algumas competições que participei e ganhei, principalmente competições como World Chocolate Masters, de 2015, como melhor chocolatier do Brasil, e premiações de revistas e jornais. De uma certa forma, é um elogio e um reconhecimento muito grande do trabalho que eu venho fazendo.

Você cozinha em casa ou prefere ficar longe do fogão quando está fora do trabalho?

Eu adoro cozinhar. Agora, com bebê no forninho, minha mulher espera eu voltar para casa para fazer o jantar. Gosto de cozinhar e de fazer churrasco. Eu sempre fui apaixonado pela cozinha.

Você tem um conselho para quem sonha em viver de confeitaria?

Tem que ser apaixonado, gostar disso para poder persistir. É uma área que tem muita gente fazendo coisas, talvez não muitos com conhecimento. Então o conhecimento técnico, seja através de livros ou de uma escola é muito importante para que você se destaque de alguma maneira. E eu acho que se quiser chegar ao topo é ter essa visão estética, cuidado com a perfeição e buscar referências em várias outras áreas. A última área que eu tenho como referência hoje em dia é a confeitaria. Acabo tendo muita referência em arte, em arquitetura. Vou para um outro caminho para tentar trazer essa beleza visual para tudo o que eu desenvolvo. E não deixar de provar sempre. A gente desenvolve um paladar mais aguçado através de degustações.

Você mencionou a sua escola. Como é para você participar dessa formação de novos confeiteiros?

A escola, esse ano, completa 13 anos de vida. Eu diria que já recebemos 40 mil alunos ao longo desse tempo, são muitas pessoas que a gente formou e é uma referência no Brasil. Estou montando um espaço novo, bem grande, que era um sonho. Acredito que o MasterChef veio para aguçar essa vontade em aprender ou iniciar na confeitaria. E a escola de confeitaria está aí para poder ajudar, direcionar de uma maneira melhor. A escola faz com que você pule etapas porque minha obrigação como professor é testar receitas de todas as formas possíveis, e passo isso para o aluno da melhor maneira para que ele execute sem dor de cabeça. Temos excelentes relatos de alunos que passaram por nós e acompanhamos uma boa parte deles. Graças a Deus, todos estão muito bem colocados. A escola realmente faz a diferença.

Depois da sua entrada no MasterChef, você percebeu uma procura maior pelo seu trabalho?

Com certeza. O programa tem um poder enorme. Eu mesmo fiquei impressionado com o alcance. Existe uma legião de fãs que acompanha de perto. Isso se refletiu diretamente no restaurante — o Levena praticamente quadruplicou o fluxo de clientes no ano passado — e também na escola, onde fechamos o primeiro semestre de cursos em apenas um mês. É impressionante.

E como surgiu a oportunidade de ser jurado no MasterChef?

Na verdade, não foi convite, eu me ofereci [risos]. A Renata, chefe de produção do programa, foi até o Levena querendo conversar comigo para que eu fosse fornecedor de doces para o MasterChef Confeitaria. Eu disse que não tinha interesse nisso, mas que queria ser jurado. Ela riu, mas fez a ponte com a diretora, a Marisa, que me ligou alguns dias depois. Tivemos uma ótima sintonia logo de cara e, depois de algumas semanas, recebi a notícia de que seria um dos jurados. A partir dali, tudo mudou.

E como é a relação com os outros chefs jurados?

Desde o início fui recebido como parte da família MasterChef. Já conhecia o Henrique Fogaça e a Helena Rizzo, e acabei ficando muito próximo do Érick Jacquin, por quem tenho uma enorme admiração. Existe respeito mútuo: eles valorizam meu conhecimento técnico em confeitaria e eu aprendo muito com a experiência deles dentro do programa. Houve concordâncias, discordâncias, mas sempre de forma saudável. Nesta nova temporada, sem o Fogaça e a Ana Paula, o entrosamento entre mim, o Jacquin e a Helena ficou ainda mais forte.

O que pode adiantar desta temporada?

Vai ser quente! [risos] É uma edição polêmica, com nervos à flor da pele. O grupo é completamente diferente do anterior: mais falante, mais intenso e com personalidades fortes. O público gosta dessa mistura de técnica e realidade, e essa temporada traz exatamente isso.

Você já teve algum favorito que acabou te decepcionando?

Sim, acontece. No início a gente tem candidatos que parecem promissores — como o Patrick, na primeira temporada, que eu já conhecia pelas redes. Mas o MasterChef exige muito mais do que técnica: é preciso controle emocional, lidar com tempo curto e pressão extrema. Muitas vezes quem parece favorito não consegue sustentar a performance. O César, por exemplo, na temporada passada, mostrou que soube aprender a “jogar o jogo” e evoluiu até a vitória.

Na hora de avaliar, o que pesa mais?

Sempre o sabor. A apresentação importa, claro, mas se não estiver gostoso, não adianta. Às vezes um prato não tão bonito surpreende pelo sabor impecável, e isso conta muito. É aí que a troca com os outros jurados também ajuda: mesmo sem serem confeiteiros, eles têm paladares muito apurados.

Existe algum erro imperdoável na confeitaria?

Muitos. Desde a falta de organização até a higiene, que é fundamental. Há regras que um profissional não pode quebrar de forma alguma. Tentamos reforçar bastante isso no programa.

Como é julgar sem desmotivar os participantes?

Tenho muito respeito por quem está ali. Cobro perfeição, mas de forma técnica e respeitosa. Sei o quanto é difícil se expor desse jeito em rede nacional. Minha postura pode parecer séria demais, mas é meu papel. Com o tempo fui aprendendo a equilibrar críticas firmes com momentos mais leves.

E as críticas do público?

Já estou em evidência há anos e aprendi que não dá para agradar todo mundo. Sempre haverá quem goste e quem não goste. No começo pode incomodar, mas hoje não me afeta mais. Pelo contrário, às vezes até uso essas críticas de forma positiva, transformando em oportunidade para divulgar a escola ou o restaurante. É fazer do limão uma limonada.

Quer deixar um convite final?

Sim! Nossa escola está com cursos presenciais e online, além dos eventos que estão voltando com força. Quem é da região do Grande ABC pode vir nos visitar — é perto e sempre vale a pena.

RAIO X 

Nome: Diego Lozano

Aniversário: 25/06

Onde nasceu: São Bernardo

Onde mora: São Paulo

Formação: Segundo grau completo

Um lugar: Japão

Time do coração: Não tem

Alguém que admira: Mãe, Selma Beltman

Um livro: Por Uma Confeitaria Brasileira, Diego Lozano

Uma música: Hey Laura, Gregory Porter

Um filme: E.T. O Extraterrestre, Steven Spielberg (1982)




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;