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Prisão domiciliar

Rodolfo de Souza
28/08/2025 | 08:31
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FOTO: Divulgação Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra


O pássaro só é prisioneiro porque canta. Se, por força do destino não fosse dotado de bela voz e excelente afinação, aprisionado, por certo, não estaria. Mas ele não sabe disso. Caso soubesse, é possível que não cantasse, e assim fosse livre como um pardal, uma vez que seu dono não veria graça em manter confinado, para o seu deleite, um ser mudo de cuja garganta não partisse uma só melodia, mesmo que o bicho fosse colorido como um bem-te-vi, que, embora gorjeie, desfruta de liberdade. Sua canção, para a sua sorte, parece não ser de todo apreciada pelo ser humano.

Mas este que encanta a minha manhã de domingo, está confinado numa gaiola minúscula a serviço do seu dono, um vizinho que cobre de elogios o seu canto e premia a avezinha com alpiste extra quando ela não poupa esforços para cumprir com a sua obrigação de levar encanto ao homem. Talvez até passe pela cabecinha da ave que todas elas vivem assim, presas num espaço reduzido sem nada para fazer senão cantar para um mundo sem graça e feito de grades. E, se for este o seu pensamento, não lhe cabe censura qualquer, já que o ser humano, supostamente dotado de inteligência superior, também está sujeito a viver, de alguma maneira, refém deste mundo de prisões.

E assim, o silêncio da manhã é quebrado pelas notas que me chegam fazendo a minha imaginação voar como um pássaro livre, até chegar próxima das grades que cercam homens e mulheres, prisioneiros de dogmas, aquelas verdades incontestáveis estabelecidas pela igreja, um dia. 

Normalmente, diga-se de passagem, é gente presa também a dogmas políticos, de alguma forma, ligados à religião, meio pelo qual se estabelece o medo como forma de controlar o rebanho. Ideia antiga que só vendo, e que nem passa pela cabeça de pássaro de quem a tem como verdade.

Mas que relação tem isso ao canto do passarinho, que ora me chega e me coloca a pensar?

Na verdade, não sei. Simplesmente refletindo sobre um tipo de prisão, acabei por ir de encontro a outros tipos de encarceramento. Mente rápida e inquieta esta que sempre mete este autor numa sinuca de bico que acaba por fazê-lo deitar a mão no teclado e redigir algumas palavras.

Não quero, entretanto, tornar de mau-gosto um texto que amanheceu cheio de encantamento e inspiração trazidos pelo canto da ave, que me chega assim rasteiro, como que tentando me apreender a alma e fazê-la voar para bem longe. Logicamente que me atenho ao fato de não estar, a avezinha, numa árvore qualquer. E não há quem se disponha a lhe revelar que aquele aconchegante lar não passa de um cárcere, de um espaço minúsculo que se contrapõe ao céu azul, ao vento, às árvores, à companhia de tantos outros pássaros.

E então me vem à cabeça cronistas antigos, artistas que não dispunham de veículos de informação como estes que preenchem os nossos dias de um sem fim de notícias que falam de presídios cerceadores de uma liberdade sofrida, conquistada a duras penas, e que vem sendo tirada das massas, fazendo delas rebanhos a serviço do dono da gaiola.




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