Mais gestão, menos polarização Titulo Coluna

Crise do Metanol: o veneno da falta de gestão

05/10/2025 | 12:00
Compartilhar notícia
Seri/DGABC
Seri/DGABC Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra


O Brasil convive, em 2025, com uma tragédia que poderia ter sido evitada: a intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas adulteradas. Casos já foram confirmados em São Paulo, Pernambuco e outros Estados, resultando em mortes, internações e sequelas irreversíveis em sobreviventes.

Segundo o Ministério da Saúde, ao menos 195 casos de intoxicação foram registrados em diferentes regiões do País, levando à criação de uma sala de monitoramento emergencial. Em São Paulo, 14 casos já foram confirmados, com daus mortes atestadas e outras em investigação. Em Pernambuco, dois óbitos foram associados à ingestão de bebidas adulteradas. Infelizmente, a lista de vítimas tende a aumentar, revelando a gravidade do problema.

O perigo invisível do metanol

O metanol (álcool metílico) é uma substância altamente tóxica, que pode ser confundida com o etanol (o álcool) comumente presente em bebidas. Incolor e de sabor suave, em pequenas doses já provoca danos devastadores: 10ml podem causar cegueira irreversível; 100ml podem ser fatais. No corpo humano, o metanol se transforma em formaldeído e ácido fórmico, atacando o sistema nervoso, a retina e os rins.

Os sintomas são insidiosos: começam com náusea, tontura e mal-estar, evoluindo para distúrbios visuais, confusão mental, coma e morte. Essa característica dificulta o diagnóstico precoce e torna a rápida intervenção médica fundamental.

Crise e falhas estruturais

Esse surto revela problemas antigos do Brasil: falhas de fiscalização, gestão frágil de órgãos reguladores e deslizes no controle das cadeias produtivas. Enquanto uma parte da sociedade e da política discute polarizações e disputas midiáticas, tragédias evitáveis ocorrem numa cena paralela.

1. Fiscalização e vigilância insuficientes

O papel das vigilâncias sanitárias estaduais e municipais deveria ser ativo e preventivo – inspecionar distribuidores, bares e fabricantes, recolher amostras suspeitas, verificar documentação e origem dos produtos. No caso atual, muitos lotes adulterados parecem ter circulado livremente antes de serem detectados. Alguns estabelecimentos foram interditados tardiamente: em São Paulo, já foram fechados bares como o Ministrão, além de outros na Capital e na Região Metropolitana. 

2. Desestruturação das agências reguladoras

A Anvisa, agência responsável pela vigilância sanitária federal, deveria atuar como respaldo técnico, diagnóstico, normativo e de supervisão em casos como esse. Contudo, sua atuação depende da cooperação com diversos níveis de governo, dotação orçamentária e capacidade técnica local. Em muitos casos, fiscalização de bebidas alcoólicas adulteradas esbarra em falta de recursos, pessoal e atuação integrada com forças policiais e de inteligência.

3. Fragmentação institucional e ausência de coordenação

A crise do metanol mostra como a desarticulação entre esferas (federal, estaduais, municipais) e entre órgãos (saúde, polícia, fiscalização, órgãos reguladores) facilita que produtos ilícitos percorram circuitos obscuros até chegar ao consumidor final. A demora em montar uma “sala de situação” interministerial, após as primeiras denúncias, evidencia que o aparato estatal nem sempre está preparado para reagir com agilidade a emergências sanitárias. 

4. Prioridades políticas desalinhadas

É chocante observar que, enquanto episódios como este se desenrolam, boa parte do debate público e legislativo se concentra em disputas simbólicas, retóricas ou identitárias. A agenda da tragédia com vidas perdidas, prevenção sanitária, fortalecimento institucional, acaba ficando à margem, ou só é respondida pela urgência quando já é tarde demais.


Lições e caminhos possíveis

Para evitar que episódios como este se repitam, é necessário priorizar a gestão pública em várias frentes:

  • Fortalecimento das vigilâncias sanitárias municipais e estaduais, com mais recursos e autonomia para ação preventiva.
  • Reforço técnico e orçamentário da Anvisa e integração mais próxima com as agências locais.
  • Protocolos de emergência e prevenção rápida acionáveis ao primeiro sinal de intoxicação por adulteração.
  • Investimento em inteligência regulatória: rastreamento de insumos suspeitos (como o metanol), controle logístico e cadeias de distribuição.
  • Coordenação interestatal e interinstitucional incluindo saúde, polícia, Justiça, fiscalização com comunicação efetiva e células de crise.
  • Mobilização da sociedade civil: campanhas de conscientização, denúncias ativas e pressão política para que a tragédia seja parte permanente da pauta, não algo episódico.
  • Essas medidas não são impossíveis. Elas dependem apenas de prioridade política, coordenação técnica e foco em resultados concretos.
  • Enquanto o Brasil continuar desperdiçando energia em guerras ideológicas, tragédias como essa seguirão acontecendo. O que precisamos é de seriedade, planejamento e eficiência. Mais gestão e menos polarização: esse é o antídoto contra muitos venenos.



Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;