Cotidiano O homem lê atentamente a página de esportes. Preocupa-lhe sobremaneira o caminhar lento do seu time. Parece mesmo que dessa vez será rebaixado, e sofrimento assim não deseja ao pior inimigo. Como viver a partir da queda do time do coração é angústia que vem tirando seu sono.
As notas do primogênito, seu comportamento na escola são temas irrelevantes na mente transtornada diante de mais uma derrota nessa noite que deveria ser de glória. É, o clube, cujo brasão o sujeito mandou tatuar, com amor, na perna direita, para dar sorte, já que sempre entra com o pé direito no estádio, sucumbe agora ao poder do oponente que nem é dos mais fortes.
Certamente não passa pela cabeça do torcedor um aspecto positivo nesse tormento que ora lhe oprime a alma: a economia que anda fazendo por não comprar fogos de artifício como comprava antes. Mesmo porque, ainda guarda os rojões que, há muito, não estoura por falta de vitória. Uma só que seja, ainda que de gol contra ou impedido.
Mas o dinheiro para os ingressos, este não pode faltar, nem que tenha que tirá-lo, sem remorso, do aluguel, do gás e até de alguma iguaria que costuma enfeitar a mesa de domingo. Não se pode, afinal, deixar de prestigiar o clube que fora a paixão de seu pai, é a sua e por certo será de seus filhos. O caçula, embora pequeno, já desfila com a camisa do time, cujo amor devotado a ele passa longe de seu entendimento.
O homem ouviu dizer que há guerras acontecendo por aí. No entanto, ele não se interessa por assuntos banais, que não lhe dizem respeito. Chegou mesmo a dar com a mão, desdenhando da conversa.
Ouviu também um comentário sobre a precariedade das ideias que rondam o poder no país do futebol. Pouco lhe interessou também este, uma vez que a troca do técnico do seu clube se lhe afigura bem mais relevante. Mesmo porque, o torcedor costuma repreender com veemência qualquer comentário que sugira fanatismo político. Também o religioso lhe soa um tanto inadequado. Que se faça um pedido para papai do céu é bastante razoável. Ele mesmo já cansou os ouvidos do todo poderoso, pedindo que seu clube tire o pé da lama. Não foi atendido. Talvez Deus não goste de futebol ou tenha lá sua preferência pelo outro, aquele cujo nome o torcedor se recusa a pronunciar.
Noutro dia, brigou com seu irmão, ferrenho defensor do time rival. Desaforo! Já perdeu algumas amizades pelo mesmo motivo, e perder a de um irmão, por certo, não lhe fará doer a consciência.
Nada sabe sobre aquecimento global, porque nas rodas de conversa da gente que se afina com ele o assunto em pauta não é outro senão o bom e velho esporte bretão. Demais questões, sociais, financeiras, trabalhistas... e tudo que envolve diretamente o ser humano, não são de seu interesse no momento em que vê o seu time desmoronar. Se estivesse vencendo... Da mesma forma não pensaria noutra coisa.
A mulher não suporta mais o casamento do marido com o clube pelo qual dedica a vida. Dói-lhe a alma pensar no futuro dos meninos, sujeitos ao fanatismo que cega. Por isso, ela se apega a Deus e ouve atentamente as palavras do pastor a quem já apresentou os filhos.
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