Mais gestão, menos polarização A recente operação no Rio de Janeiro, amplamente apoiada pela população, escancara uma dura verdade: chegamos ao limite da tolerância com o caos. O apoio quase unânime, mesmo diante de medidas extremas e controversas, mostra o tamanho da desesperança e da desconfiança nas instituições que deveriam garantir segurança, justiça e dignidade.
O aplauso à força bruta revela, antes de tudo, a falência silenciosa do nosso sistema.
Há décadas o Brasil assiste ao avanço da criminalidade como se fosse um fenômeno natural, incontrolável, fruto do acaso. Mas a violência é sintoma, não causa. É reflexo de cidades que cresceram sem planejamento, de um sistema judiciário que não pune com eficiência, de políticas públicas descontinuadas e da ausência de integração entre os poderes.
Quando a sociedade começa a enxergar em ações militares a única saída possível, é sinal de que o Estado já perdeu boa parte de sua capacidade de governar o território pela via civil.
É claro que a operação precisa ser avaliada pelos seus resultados concretos. Resta saber se ela trará redução duradoura da violência e presença efetiva do Estado nas comunidades.
Mas, independentemente da eficácia, o simples fato de que a sociedade aplaude uma ação tão dura revela o tamanho da nossa crise institucional. O que está em jogo não é apenas o sucesso de uma operação policial, mas o futuro de um país que parece ter desistido de buscar soluções estruturais e duradouras.
A impunidade, que corrói a confiança no sistema de justiça, soma-se à desigualdade urbana e social, que empurra gerações inteiras para a marginalidade. Enquanto o Estado se retrai, o crime se organiza, ocupa o espaço e cria sua própria ordem, uma ordem à margem da lei, mas sustentada por uma lógica de poder e controle que o Estado não conseguiu disputar, levando 26% da população brasileira a viver em áreas controladas pelo crime.
E quando o Estado finalmente reage, é recebido como herói, mesmo que suas armas não resolvam o problema na origem.
O que vemos hoje é a consequência de anos de negligência. Falta de leis mais eficazes? Talvez. Mas falta, sobretudo, aplicação coerente e justa das leis que já existem. Falta integração entre polícias, ministério público, judiciário, políticas sociais e planejamento urbano. Falta coordenação entre União, Estados e municípios para atacar de forma conjunta os fatores que alimentam o crime: evasão escolar, desemprego juvenil, moradias precárias e ausência de presença estatal.
A sociedade quer segurança; e com razão. Mas segurança não é somente sinônimo de repressão. A violência não se combate apenas com armas, mas com oportunidades, com Estado presente, com justiça célere e com políticas urbanas e sociais que devolvam dignidade aos territórios esquecidos.
O que se vê no Rio é o retrato de um país cansado, que perdeu a fé nas soluções democráticas e acredita que só o enfrentamento imediato pode trazer alívio.
Se há algo que essa operação revela, é a urgência de um novo pacto nacional contra a violência. Um pacto que una governos, judiciário, parlamento e sociedade civil em torno de uma estratégia que vá além do improviso e da resposta imediatista.
Um pacto que recoloque o Estado no centro da vida comunitária, não apenas com fuzis, mas com escolas, cultura, saúde e emprego.
A aprovação popular à operação é compreensível, mas é também um grito de socorro. É o reflexo de um povo que chegou ao limite e não vê mais saída dentro das regras normais do jogo institucional.
É hora de encarar o problema com coragem e inovação, de reconhecer que insistir nas mesmas fórmulas falidas é perpetuar a barbárie.
Mais do que nunca, o Brasil precisa entender que a verdadeira segurança nasce do equilíbrio entre autoridade e justiça, entre lei e humanidade.
O que está em jogo não é apenas a paz nas ruas mas sim a própria credibilidade do Estado Democrático de Direito.
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