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Grande ABC tem um professor especializado para cada 16 alunos autistas

São 500 profissionais com formação em educação especial para 8.196 estudantes com TEA nas sete cidades; pais reclamam da falta de apoio

22/11/2025 | 18:03
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FOTO: Claudinei Plaza/DGABC
FOTO: Claudinei Plaza/DGABC Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra


 As sete cidades somam, na rede municipal de ensino, 500 professores e educadores auxiliares especializados na educação especial para atender 8.196 alunos com autismo, uma média de 16 crianças e adolescentes por profissional. Há ainda mais 4.685 cuidadores (não docentes) para dar suporte a todos os 164.534 estudantes matriculados. 

 Nas escolas estaduais, são 278 professores especialistas e 988 profissionais de apoio para 5.239 alunos com algum tipo de deficiência. A estrutura das instituições, inclusive as privadas, não tem sido suficiente para garantir o desenvolvimento dos alunos com TEA (Transtorno do Espectro Autista). 

A tecnóloga de alimentos de São Bernardo, Nicole Silva do Nascimento, 31 anos, teve a matrícula de sua filha Malu Nascimento Queiroz, 7, recusada no Colégio Stagio. “Pediram o relatório dela, eu inocente dei achando que fazia parte do planejamento, e quando viram que o nível dela era de suporte 3 vieram com empecilhos e disseram que não poderiam atender minhas demandas”, conta. Questionada, a unidade escolar não retornou. 

O advogado Cahue Talarico, membro da Comissão de Direitos das Pessoas com Deficiência da OAB-SP (Ordem dos Advogados de São Paulo), ressalta que as escolas devem receber autistas de todos os níveis de suporte, sem exceção. 

“A Lei 7853/1989, em seu art. 8º, inciso I, estabelece como crime a recusa de matrícula, sem a cobrança de valores adicionais, suspensão, procrastinação e cancelamento. As unidades têm o dever não apenas de receber a todos os alunos, mas de garantir o aprendizado e a permanência deles. Não existe ser humano que não seja capaz de aprender se as barreiras que impedem seu aprendizado foram eliminadas.” 

Nicole precisou contratar um profissional, AT (Atendente Terapêutico), para acompanhar Malu durante as aulas e garantir que ela receba o suporte que a escola, em que ao menos conseguiu uma matrícula, não oferece. “Pagamos particular além da mensalidade da escola, que teria que fornecer, mas, na prática, não funciona bem assim”, ressalta. A mãe não quis informar o nome da escola. 

A corretora de imóveis da Capital, Glaucia de Fátima Concilio, 49, também teve que contratar um AT, pois a escola de sua filha, Beatriz Concilio de Almeida, 11, o Colégio São José, no bairro da Mooca, não disponibiliza suporte suficiente para seu desenvolvimento. 

“Ela já estudou em três escolas e sempre é assim. Eles falam que têm, mas, na verdade, é um assistente que leva para ir ao banheiro e não deixa a criança sair da sala. Tem que ter um apoio individual, senão a criança não é alfabetizada, e nós temos que colocar, porque a escola não fornece esse apoio. A lei é utópica”, avalia. 

Existem diversas leis garantindo o direito à educação a todas as crianças e adolescentes com deficiência, inclusive autistas, como a Convenção sobre Direitos das Pessoas com Deficiência e a Lei Brasileira de Inclusão. Entretanto, a legislação não determina um limite de alunos por professor, de acordo com Cahue Talarico. As pessoas com autismo estão ainda amparadas pela Lei Berenice Piana, 12.764/2012, que determina um acompanhante especializado.

“Cada caso deve ser analisado individualmente”, informa o advogado.

Escola de elite também é acusada de ignorar lei

Uma das escolas mais renomadas da Capital, onde estudam os filhos de famílias da elite financeira de São Paulo, a Móbile, em Moema, Zona Sul, também é acusada de desrespeitar a lei federal que garante a alunos com TEA (Transtorno do Espectro Autista), em caso de comprovada necessidade, acompanhamento especializado em sala de aula. O colégio, em resposta, garante que cumpre integralmente a legislação brasileira.

Faz ao menos três anos, por exemplo, que a família de um dos 4.000 alunos da Móbile – que falou com o Diário com a garantia de anonimato, por temer represálias da direção – luta em vão pelo direito do filho, com autismo, de contar com acompanhante especializado durante o período na escola, conforme lhe assegura a Lei 12.764. Por causa de sua condição, o estudante tem dificuldades de aprendizagem e de se relacionar com colegas.

A reportagem teve acesso a laudo que atesta a necessidade de o aluno receber acompanhamento especializado em ABA (Análise do Comportamento Aplicada) no período letivo, na sala de aula e demais ambientes escolares. Segundo o documento, a ausência de suporte adequado poderá contribuir para o agravamento do sofrimento do estudante. A família contou que a escola disponibiliza professora-assistente para o filho, mas a profissional não é psicopedagoga formada em autismo, conforme consta na recomendação médica.

Não é de hoje que a Móbile, fundada em 1975 pela educadora Maria Helena Bresser e vendida em agosto do ano passado para o grupo britânico Nord Anglia Education, líder em gestão de escolas internacionais, é denunciada por falta de profissionais capacitados, apesar de cobrar mensalidades de R$ 6.000, em média.

Em 2023, o SinproSP (Sindicato dos Professores de São Paulo) notificou a Móbile por atribuir a auxiliares de classe do ensino infantil, contratados por salários menores, funções pedagógicas no ensino médio, o que só poderia ser feito por profissionais com formação específica. Na época, a escola se recusou a comentar o assunto.

Sobre o caso da família do aluno com TEA, a escola afirmou que “cumpre integralmente” a legislação. Garantiu que nas turmas do ensino fundamental as salas contam com três profissionais qualificados: professora-regente; professora-assistente [pedagoga que também atua como AE (Acompanhante Especializado)] e estagiária de pedagogia.

“O trabalho desses educadores é acompanhado e supervisionado por uma equipe interna especializada no atendimento a estudantes neuroatípicos, garantindo suporte contínuo e adequado às necessidades individuais desses alunos”, detalhou, em nota ao Diário, dizendo ainda que o planejamento de 2026 prevê novo ciclo de capacitação específico sobre práticas inclusivas a todo o corpo docente.

Crianças com suporte mostram evolução na escrita e na fala

O acompanhamento de professores e profissionais com formação na educação especial fez a diferença no desenvolvimento de alunos com autismo de Santo André e Mauá, que conseguiram ter evoluções significativas na escrita e fala após mudarem para escolas que deram o suporte adequado. 

O filho da dona de casa Beatriz Omena, 28, Heitor Rodrigues Firmino de Omena, 8, apresentava dificuldade para realizar as atividades propostas em sala de aula antes de ter um professor auxiliar, como ocorria quando ele estava na EE (Escola Estadual) Carlos Garcia, na Vila Camilópolis, em Santo André. 

“Foi prejudicado neste processo até conseguir outra escola, mas depois teve um grande progresso. Com o profissional de apoio, ele consegue realizar as atividades propostas pela professora da sala. Conseguiu avançar na parte de escrita e na matemática”, conta a mãe. Atualmente, o menino estuda na Emeief (Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental) João de Barros, no bairro Utinga. 

O educador social de Mauá, Thiago Almeida, 38, diz que a evolução observada em seu filho, Mariano Almeida, 7, foi surpreendente. “Depois da mudança de escola e do acompanhamento especializado, voltou a querer estudar e as crises diminuíram. O mais interessante é que ele, neste ano, começou a desenvolver a fala mais funcional, frases mais elaboradas, um milagre”, comemora. O pai não quis informar o nome da unidade escolar. 

“A inclusão no ensino regular colabora para que o estudante possa, de fato, pertencer à escola e desenvolver vínculos com seus pares, além de promover o desenvolvimento articulado com a comunidade e não de maneira isolada”, acrescenta a doutora em Desenvolvimento e Aprendizagem e coordenadora do curso de Psicologia da FMU, Barbara Niero.




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