20.000 edições ‘News Seller' acompanhou a instabilidade política no País anos antes de o Brasil ser conduzido pelo regime militar
Reprodução

O Diário, desde seu precursor, o News Seller, se destaca pela cobertura ampla e plural, especialmente na política local e nacional. Em outubro de 1960, o jornal acompanhou a ascensão do populismo-conservador de Jânio Quadros (PTN) ao poder, eleito presidente com pouco mais de 48% dos votos. Naquele ano ocorreu a última eleição presidencial antes da Ditadura Militar, que interrompeu o processo democrático de escolha popular por 29 anos.
Na época do pleito, o jornal noticiou que ao menos dois dos prefeitos do então ABC – o prefixo Grande surgiu anos mais tarde – foram favoráveis ao “janismo”. O chefe do Executivo de Santo André, Osvaldo Gimenez, conhecido como OG (PRP), e o de São Caetano, Oswaldo Samuel Massei (PTB), endossaram apoio a Jânio Quadros.
O News Seller, em 28 de agosto, trouxe a notícia de que dois dias antes, o prefeito andreense, em comício, estabeleceu sua preferência política no cenário eleitoral: “Define-se OG em favor de Jânio”. Na nota destacou-se que foram “exaltadas as qualidades do administrador”, no caso a do candidato à Presidência da República.
Em São Caetano, o prefeito Massei liderou o movimento janista na cidade e anunciou nos meses que antecederam a eleição série de comícios em apoio a Jânio. Entre os atos, um dele contou com a presença do então governador do Estado, professor Carvalho Pinto (PDC).
Nas páginas do News Seller eram comuns propagandas eleitorais. Duas peças de publicidade chamavam a atenção do eleitor. Em uma, a figura de um estátua de um bandeirante paulista entre as bandeiras do Estado e do Brasil e a inscrição: “É a vez de São Paulo, Não desperdice seu voto. Vote em Jânio”.
Em outra, a simulação de uma cédula de votação – na época a escolha era feita em papel depositado em uma urna lacrada – com três nomes de candidatos, dois deles suprimidos. No topo, a inscrição “Para presidente da República” seguida, como primeira opção, do nome de Jânio Quadros. A ilustração trazia um lápis apontando para o primeiro quadrado com o um ‘x’ ao centro e embaixo a frase: “Faça o sinal da cruz no primeiro lugar”.
No período de campanha, outros movimentos locais se articulavam para também apoiar João Goulart, o Jango (PTB). Diferentemente do modelo eleitoral atual, naquela época não se formava uma chapa para a disputa. Os votos eram nominais, tanto para presidente quanto a vice. Com apoio de parcela considerável dos moradores da região, formada por seis cidades – Rio Grande da Serra teve sua emancipação político-administrativa de Ribeirão Pires em 1964 – Jango foi eleito vice-presidente com 42% dos votos.
Jânio Quadros, no encerramento da campanha eleitoral, por meio de carta aberta “aos estrangeiros do Brasil” e publicada pelo News Seller, saudou povos de outras nacionalidades que ajudavam a construir o Brasil da “criação científica, artística e cultural” e “dos princípios de Justiça, igualdade e liberdade”.
Não só os chefes de Executivo corroboraram na campanha eleitoral janista. Nos meses que antecederam a votação formou-se, segundo reportagem da época, um comitê operário denominado Movimento Nacionalista dos Trabalhadores de Santo André. O objetivo era o de “orientar os trabalhadores locais no sentido da candidatura de Jânio Quadros à Presidência da República”. O grupo de apoio teve como base um escritório na Rua Luís Olinto Fláquer “com elevado número de simpatizantes”.
Em 25 de setembro de 1960, dias antes da eleição, ocorrida em 3 de outubro, o News Seller noticiou a ausência de João Goulart em agenda na cidade de São Caetano. “Povo foi assistir comício, mas Jango não veio”.
No dia 2 de outubro de 1960, um título em vermelho estampava a capa do jornal a seguinte frase: “Às urnas o povo brasileiro”. Na linha-fina, o texto trazia o sentimento de “otimismo entre os candidatos” e a previsão de “abstenção mínima” dos eleitores. Na mesma edição do News Seller, uma página inteira trouxe aos leitores os endereços dos locais de votação.
Após as eleições que garantiram as vitórias de Jânio Quadros com 48,26% dos votos, e de Jango, com 41,63%, o Brasil começou a escrever uma nova história (leia abaixo).
Presidente eleito é cobrado em carta aberta
Um dia após a eleição, as urnas começaram a ser abertas em todos o Brasil. Uma a uma, cada cédula era verificada manualmente, em um processo moroso, que se arrestava por dias.
Na edição de 2 de outubro de 1960, véspera do pleito nacional, o News Seller noticiou: “Às 12 horas do dia 4: início das apurações”. A reportagem dizia que os trabalhos seriam realizados no Clube 1º de Maio por três turmas de apuradores chefiados pelo juiz Carlos Gomes dos Reis.
Após longos dias de apuração chegou-se ao veredicto da vontade popular. Jânio Quadros foi eleito presidente com 5.636.623 de votos, uma diferença de 15,32% contra o segundo colocado, Henrique Teixeira Lott (PSD), que obteve a preferência de 3.846.825 eleitores.
A vitória de Jânio foi a maior de qualquer eleição livre na história do Brasil até então. A margem de vitória de 16% permaneceu como recorde até que Fernando Henrique Cardoso (PSDB) venceu com 27,24 pontos percentuais de diferença em 1994. O vice-presidente Jango recebeu 4.547.010 de votos contra 4.237.719 conquistados por Milton Campos (UDN).
O News Seller, com o resultado homologado, publicou em 9 de outubro de 1960 carta aberta ao presidente eleito. Em trecho do documento – o jornal ainda não tinha periodicidade diária – pediu ao futuro chefe da Nação para não fugir da “responsabilidade, mesmo que de leve, afrouxar a autoridade, pactuar com imoralidade, deixar que ocorram, sem drásticas punições, malversação dos dinheiros públicos, atos indecorosos de elementos notórios da administração, fatos que venham depor contra o vosso governo que deverá ser honrado, limpo produtivo, conforme vossas próprias em dezenas de comícios”.
O News Seller, em 16 de outubro de 1960, celebrou na edição ser o único jornal da região a participar da coletiva de Jânio e por ter driblado o assédio massivo da grande impressa, para trazer autógrafo do presidente.
Renúncia abre caminho para ditadura
Jânio Quadros, que conquistou massivo apoio popular para chegar à presidência, sucumbiu ao Congresso e deixou o poder depois de renunciar ao cargo de presidente em 25 de agosto de 1961. Seu ato, considerado uma tentativa de “autogolpe” político, segundo historiadores, falhou. A ideia era a de que a aceitação de sua renúncia levasse a um clamor popular e militar para que ele voltasse ao poder com mais autoridade, superando a oposição enfrentada no Câmara e no Senado.
No entanto, a renúncia foi aceita, o que desencadeou uma crise política e deu início à Campanha da Legalidade para garantir a posse de seu vice, João Goulart. Provisoriamente, por 14 dias, a Presidência foi ocupada por Ranieri Mazzilli (PSD).
A ascensão de Jango à presidência, em 8 de setembro de 1981, era vista com desconfiança por setores militares e conservadores, devido à aproximação com a classe trabalhadora e o projeto de “reformas de base”. Tais movimentos políticos também desagradaram o Congresso, que editou a Emenda Constitucional nº 4 de 1961, que instituiu o parlamentarismo como uma forma de “salvar o País”, transferindo o poder executivo do presidente para o primeiro-ministro.
“Brasil já sob o comando de Tancredo Neves”, estampou o News Seller em sua capa de 10 de setembro de 1961. Na mesma publicação, o jornal buscou apresentar aos leitores como funcionaria o novo sistema político no Brasil e a visão de atores públicos que chefiavam as prefeituras da região.
Entre as opiniões, a do então prefeito de São Bernardo, Lauro Gomes (PTB): “Parlamentarismo representa valorização dos legislativos”.
Com as Forças Armadas inquietas e sofrendo resistência política entre os congressistas, em 31 de março de 1964 tropas começaram a se movimentar pelo País e em 1º de abril tomaram o poder. Um dias depois, o Congresso declarou a vacância da presidência.
Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.