Setecidades Titulo Edição 20.000

Quando a chuva volta, os velhos dilemas dos municípios ressurgem

Décadas de matérias revelam histórico de mortes, apagões, desaparecimentos e deslizamentos

28/11/2025 | 10:10
Compartilhar notícia
Rio Tamanduateí transbordou e alagou a Avenida dos Estados, em Santo André, no dia 31 de março de 2025; cena se repete pelo menos uma vez a cada ano FOTO: Claudinei Plaza 31/03/2025
Rio Tamanduateí transbordou e alagou a Avenida dos Estados, em Santo André, no dia 31 de março de 2025; cena se repete pelo menos uma vez a cada ano FOTO: Claudinei Plaza 31/03/2025 Diário do Grande ABC - Notícias e informações do Grande ABC: Santo André, São Bernardo, São Caetano, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra


Os moradores do Grande ABC convivem há anos com tragédias provocadas pelas fortes chuvas, mais intensas entre outubro e abril. Décadas de reportagens do Diário revelam um histórico de mortes, desaparecimentos, deslizamentos e longos apagões. A cada ano, os temporais estão mais intensos devido às mudanças climáticas e voltam a ocupar as manchetes do jornal.

Há apenas seis anos, a região registrou uma das piores enchentes de sua história, que deixou dez mortos e 284 desabrigados. Em março de 2019, Santo André, São Bernardo e Ribeirão Pires registraram 150 milímetros de chuva, quase o dobro do volume considerado elevado para um dia de tempestades. Naquele momento, o Diário estampou uma de suas capas mais tristes e emblemáticas e publicou um editorial (Até quando?) cobrando ações do poder público – cobrança que se repetiria nos anos seguintes.

“A pergunta que dá título a este texto baseia-se em dois momentos. O primeiro é a falta de iniciativa para prevenir problemas decorrentes da chuva, já que a maioria das pessoas – inclusive as autoridades – sabe exatamente quais são os pontos que costumam alagar. O segundo diz respeito às justificativas apresentadas depois dos danos, sempre com expressões como: ‘Choveu mais do que o previsto para o período’, ‘Estamos fazendo tudo o que está ao nosso alcance para socorrer as vítimas’, ‘Nos solidarizamos’ – e assim por diante’, diziam trechos do editorial. 

Na edição 4.494, de 20 de janeiro de 1981, a manchete do jornal era: ‘Chuvas causam pânico e destruição’. A matéria destacava que a precipitação ocorrida no dia anterior foi a mais intensa dos últimos cinco anos, com um índice pluviométrico de 52,5 milímetros e uma duração de duas horas. O problema, que já era crônico, continua até hoje, embora os temporais tenham se tornado mais rápidos e os volumes de chuva cada vez mais elevados.

“A população sofreu novamente as consequências das enxurradas que castigaram todo o Grande ABC. Bocas de lobo entupidas, córregos com vazão de água insuficiente, transbordamento do Rio Tamanduateí. Tudo isso deixou os moradores em pânico, muitos tiveram suas casas destruídas, sendo expulsos pela correnteza”, destaca trecho da chamada de capa. 

De volta ao presente, em 2022, quando os temporais causaram destruição e duas mortes na região, o jornal lançou a série Temporada de Chuvas, publicada aos domingos durante cinco semanas. As reportagens mostraram o drama vivido pela população, analisaram as políticas de combate às enchentes e detalharam os serviços de atendimento às ocorrências. A série também expôs como a precariedade habitacional aumenta o risco para milhares de famílias. À época, o Grande ABC registrava 270 mil imóveis distribuídos em 1.671 áreas de risco.

E OS PISCINÕES?

Os piscinões, principais medidas de combate às enchentes na região, já não são suficientes para segurar o volume de água que tem se intensificado nos últimos anos. Na região, são 19 reservatórios distribuídos pelos municípios. O mais recente é o reservatório Jaboticabal, que está cinco anos atrasado e deve ser inaugurado em dezembro deste ano. A estrutura do governo do Estado é a maior da América Latina e ficará localizada na tríplice divisa entre Capital, São Bernardo e São Caetano. 

Apesar de ser o principal modelo de drenagem urbana, aliado a outras ações, como canalização de córregos, há anos o Diário traz especialistas para analisar e sugerir alternativas complementares no combate às enchentes. Entre algumas das propostas sugeridas estão infraestrutura verde, como instalação de jardins suspensos, parques lineares e aumento de arborização, além de maior articulação regional entre os sete municípios. 

Conforme última reportagem sobre o tema, publicada em agosto de 2024, os piscinões foram planejados pensando em chuvas de 100 milímetros, que eram consideradas raras. “No entanto, hoje em dia, essas chuvas ocorrem com maior frequência e intensidade devido às mudanças climáticas. Portanto, precisamos encontrar outras soluções para reservar esses maiores volumes de água, cada vez mais frequentes”, diz trecho da entrevista com a professora de hidráulica e drenagem da UFABC (Universidade Federal do ABC), Melissa Graciosa.

NO ESCURO

Além dos riscos à vida e à integridade física, os 2,7 milhões de habitantes do Grande ABC enfrentam apagões frequentes após os temporais. A lista de prejuízos é extensa: alimentos estragados, eletrodomésticos queimados, interrupção de atividades sociais e profissionais, entre outros impactos.

Em outubro do ano passado, um novo blecaute atingiu a Região Metropolitana de São Paulo. Foram seis dias sem energia, afetando cerca de 100 mil consumidores no Grande ABC e 3,1 milhões em toda a Grande São Paulo. Um ano antes, em novembro de 2023, outro apagão de grandes proporções já havia deixado a região às escuras por três dias.

Região sofreu com crise hídrica em 2015; situação volta a preocupar

Além de impactar no volume das precipitações, as mudanças climáticas também alteraram os padrões da chuva, ou seja, intensificaram eventos extremos como secas e inundações. O Estado de São Paulo passou nos anos de 2014 e 2015 pela maior crise hídrica da sua história devido às chuvas muito abaixo da média. 

O Sistema Cantareira, principal reservatório da Região Metropolitana de São Paulo, chegou a operar com o volume morto, afetando o abastecimento de milhões de pessoas, inclusive dos moradores do Grande ABC. Houve racionamentos, queda na pressão da água, aumento de riscos ambientais e forte impacto econômico. 

Durante todo esse período, o Diário seguiu monitorando os níveis dos mananciais, ano a ano. Em 2025, o jornal foi um dos primeiros veículos a alertar sobre a queda significativa nos reservatórios, com reportagem publicada em 11 de agosto com o título ‘Nível de água no Rio Grande é menor que na crise hídrica’. Quatorze dias depois, o governo do Estado informou o início do racionamento noturno de água para preservar os mananciais. 

Quase dois meses depois da medida, que foi estendida de oito para dez horas na redução da pressão da água, o alerta vermelho ainda segue. Com 19,8% do volume total, o manancial Alto Tietê, que abastece parte das cidades de Santo André e Mauá, chegou ao pior nível estabelecido pela ANA (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico) em novembro. 




Comentários

Atenção! Os comentários do site são via Facebook. Lembre-se de que o comentário é de inteira responsabilidade do autor e não expressa a opinião do jornal. Comentários que violem a lei, a moral e os bons costumes ou violem direitos de terceiros poderão ser denunciados pelos usuários e sua conta poderá ser banida.


;