Edição 20.000 Brasilianista John French, da Universidade Duke, destaca qualidade do trabalho e coragem dos jornalistas do ‘Diário’ nas greves
FOTO: Adonis Guerra/SMABC

A coragem dos repórteres na cobertura das greves meta-lúrgicas do fim dos anos 1970 e início dos 1980, aliada à linha editorial do Diário, foi fundamental para denunciar as arbitrariedades da ditadura (1964-1985) e criar o caldo de cultura que resultou na volta da democracia ao Brasil. A tese é sustentada pelo historiador norte-americano John French, brasilianista da Universidade Duke, uma das mais conceituadas do mundo, com sede na cidade de Durham, na Carolina do Norte.
“A contribuição do Diário também tem a ver com a exigência corajosa do jornal pela volta a uma democracia eleitoral verdadeira e moderna, sem arbitrariedades e violações dos direitos civis e políticos, incluindo as liberdades de imprensa, de expressão e de organização sindical”, atesta French, que passou o último ano pesquisando o arquivo do veículo.
O historiador, que se valeu do acervo do jornal para escrever a biografia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Lula e a Política da Astúcia (688 páginas, Expressão Popular, R$ 58), lançada no Brasil em 2022, revela que, durante o regime de exceção, existem vários exemplos de editoriais criticando os militares que estavam no comando do País.
“Durante a greve de 1979, o Diário publicou vários editoriais criticando o governo nacional. Num deles, do dia 25 de março, disse que o ‘regime’ estava atuando como se fosse ‘uma entidade divina, inacessível e intocável. Para os súditos a ele chegar, a condição é que se prostrem submissos e reverentes’”, destaca French. O norte-americano afirma que parcela significativa dos estudos acadêmicos publicados até hoje sobre o movimento pela volta da democracia ignora o material produzido pelo Diário, que, durante as greves meta-lúrgicas, teria contado com as fontes mais “fidedignas, mais completas e mais ricas na época, uma realidade não reconhecida na maior parte das pesquisas acadêmicas, dada a dependência deles da Folha (de S.Paulo), do Estadão e da imprensa alternativa”.
French, que conta com a colaboração da antropóloga Jan Hoffman, sua mulher, na pesquisa atual, destaca a autoridade do comando da Redação no período da mobilização dos trabalhadores da indústria automotiva para o direcionamento da cobertura. “Ficamos impressionados pela inspiração democrática da liderança civil de Fausto Polesi (1930-2011), um dos fundadores do Diário, que era redator-chefe na época das greves. Um grande jornalista e editorialista produtivo com pleno conhecimento das suas responsabilidades como homem da imprensa”, sintetiza o norte-americano.
Segundo o historiador, o empresário e jornalista conseguiu antever na mobilização dos operários, sob a liderança de Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, a centelha que incendiaria o País e iria resultar na quebra do regime – o Brasil voltou a eleger seu presidente, por voto direto, em 1989. “O Diário ocupou espaço fundamental na criação de uma identidade regional. Desde o primeiro momento, o grande jornalista Fausto Polesi reconheceu que a história ia mudar o País para sempre e colocou toda a sua equipe para ir atrás do maior acontecimento na época, as greves inesperadas, que estava acontecendo na sua região”, analisa John French.
As reivindicações dos operários, segundo o pesquisador, tinham caráter econômico, mas iam além das relações entre patrões e empregados, chegando à situação política do Brasil. “Era a expressão de um desejo que permeava todas as camadas sociais por uma maior participação da população na sua governança. O desejo era comum a um leque de indivíduos que chegou a incluir homens de negócio, donos de jornais, universitários, trabalhadores, mulheres, indígenas, negros e pessoas em moradias precárias. Foi uma convergência bonita num momento inesquecível e nunca visto”, finaliza o pesquisador.
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