Cotidiano
FOTO: Fernandes | DGABC

As vias públicas de toda parte do mundo têm sido, através da história, testemunhas do comportamento humano em seus mais variados modos. Daquelas pessoas que simplesmente as utilizam para o trânsito diário, atrasadas ou não, conversando ou à sós, às que delas se apropriam também para manifestar seu apreço por uma ideia, um governo, um ato religioso, futebolístico... E ainda têm assistido, ruas e avenidas, a movimentos contrários a medidas tomadas por governantes, cuja afinidade com a população não anda nos seus melhores dias.
Movimentos, por vezes, justos é o que se vê, a despeito de alguns cuja pauta diz respeito a algo sombrio que se esconde nas entranhas de mentes desvairadas, cobertas, segundo o seu parecer, de toda razão do mundo. Sim, a manifestação pode vir de cabeças perturbadas por atos, gestos e palavras que, ao longo do tempo, se enveredaram por seus meandros e acabaram por dar cabo de um fiapo de bom-senso que talvez insistisse em sobreviver ali. Isso tem acontecido com frequência, sobretudo, quando a estupidez ascendeu ao poder nesta terra de meu Deus.
De qualquer forma, com razão ou destituído dela, todos derramam nas passarelas muita energia oriunda de corações atormentados, ou felizes. E essa energia paira no ar e deixa impregnado o piso das vias utilizadas para as passeatas em favor disso e contra aquilo, ou somente para comemorar um campeonato vencido... quem sabe, a euforia promovida pela batucada de um bloco carnavalesco.
Ouve-se, nesses palcos, em momentos destinados unicamente à catarse humana, cantorias, rezas, palavras de ordem, gritaria, xingamentos de vários níveis, gargalhadas, agressões físicas e verbais... lágrimas de felicidade ou de tristeza... enfim, cenas, as mais pitorescas e inusitadas, não raro torpes, que transformam esses lugares, vez ou outa.
Tudo testemunhado pelo olhar silencioso das vias urbanas com seus postes, semáforos, anúncios, coisas que deixam de ser observadas no momento em que pessoas tiram o lugar dos carros para caminhar. É como se sentissem certo prazer só de poder restituir para si o direito de andar pela avenida projetada, a princípio, para o ser humano que posteriormente a cedeu aos automóveis.
Mas é preciso recorrer às ruas quando se pleiteia algo que o poder insiste em negar. É direito garantido pela democracia, afinal. Assim, concluímos que vias públicas existem também para se passar um pito ou mesmo dar um basta nos arroubos autoritários de um parlamento que, a princípio, teria sido eleito para trabalhar em prol do povo que o elegeu, mas que ali está somente para favorecer a vida de quem já nasceu favorecido.
Chego a sentir o regozijo das vias ao sentirem sobre os seus ombros os pés de quem, com toda a razão, toma aquele espaço para exigir que se faça justiça, que finalmente a escória sinta que o poder vem mesmo desses pés na avenida.
Mas é necessário saber escolher, dirá você, para depois não ter que usar as vias públicas para protestar. Esse é o desalento de alguém que reconhece que parte da população desta pátria se afina com o que há de pior na política, razão pela qual torna-se cada vez mais difícil não pensar na avenida quando o assunto é o poder lá do planalto central e de demais planaltos espalhados por este imenso rincão.
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